Considerada “a maior primeira volta da história” por muitos especialistas, a primeira das 76 passagens completadas pelo brasileiro nos 4.023 metros do circuito inglês deu o tom do que viria pela frente. Com uma McLaren bem inferior às Williams e com um motor menos potente que o da Benetton de Michael Schumacher, Senna fez apenas o quarto tempo no treino classificatório, a 1s7 de Prost. Na largada, foi espremido pelo alemão sobre uma zebra e caiu para quinto, atrás da Sauber de Karl Wendlinger, que se aproveitara da situação.
Senna começou, então, seu show. Livrou-se de Schumacher com facilidade e desceu o trecho seguinte lado a lado com o austríaco, que tinha a preferência da curva à frente. Mesmo sobre a pista molhada, o brasileiro acelerou por fora, despachou a Sauber e foi à caça de Damon Hill. Não demorou muito – menos de 40 segundos desde a luz verde – para superar o britânico antes de ir à caça de Prost. Acuado, o francês tentou espremer o brasileiro na penúltima curva do circuito, mas já era tarde. Com autoridade, a McLaren vermelha e branca assumiu a primeira posição. Um desempenho que assombrou os jornalistas que trabalhavam naquela prova, como a dupla de transmissão da TV Globo.
No GP da Europa de 1993, Ayrton Senna largou em quarto, a 1s7 do pole Alain Prost (Foto: Getty Images)
- Não tive dúvida nenhuma de que estava vendo algo histórico, porque tive uma corrida inteira para raciocinar sobre isso. Só Ayrton Senna seria capaz de uma primeira volta, a mais fantástica que um piloto fez na história, e de uma vitória assim naquela circunstância. Eu disse ao engenheiro dele no fim da corrida “definitivamente, desse planeta ele não é”. E ele falou: “disso eu nunca tive dúvida” – relembra Galvão Bueno, que narrou a prova direto do autódromo de Donington Park.
O detalhe irônico é que a imprensa inglesa havia criticado ferozmente a escolha desta pista, alegando que não havia pontos de ultrapassagem para carros de Fórmula 1. O comentarista Reginaldo Leme também participou da transmissão da TV Globo em Donington Park. E revela uma espécie de surpresa às avessas com o espetáculo apresentado por Ayrton Senna naquela tarde chuvosa. Para o jornalista, a certeza a respeito do próprio talento fez o tricampeão mundial guiar com maestria, carregado de uma confiança extrema.
- Convivendo no dia a dia com o Senna, o que mais me impressionava nele era sentir o quanto ele sabia que era bom, que ia chegar ali e ser dos melhores. Tinha certeza absoluta disso. Aquela primeira volta nem me chamou atenção como algo extraordinário, pois eu sabia que estava para acontecer a qualquer momento. Foi só uma confirmação – frisa Reginaldo, que cobriu de perto os oito títulos mundiais do Brasil na F-1.
De fato, Senna foi impressionante naquela edição do GP da Europa de Fórmula 1 realizada na pista de Donington. Depois de assumir a primeira posição, o brasileiro mostrou perícia na chuva e também em outro tipo de situação que ele dominava como poucos: a variação climática. Quando todos estavam com pneus para pista molhada, ele percebia que, com certo cuidado, já era possível andar de slicks. E parava nos boxes para trocar, levando vantagem sobre os demais. Depois, antevia que a chuva estava para se intensificar e colocava um novo jogo de pneus “biscoito” em seu carro. Daí, quando a água caía para valer, ele já estava contornando tranquilamente as curvas enquanto os outros patinavam.
Mais tarde, a pista tornaria a secar, obrigando uma nova troca. Com a volta da chuva, veio a opção por uma nova estratégia: em vez de trocar pneus, Ayrton se manteve na pista usando slicks, com um controle fantástico do carro.
'Erro' no box garante a melhor volta da corrida
Mas lidar com o clima não foi a única cartada de mestre do brasileiro naquele dia. No terço final da prova, Senna também fez uma experiência que surpreendeu muita gente, só que poucos se deram conta imediatamente do que ele estava fazendo. Em meio a tantos pit stops por causa das idas e vindas da chuva, o piloto entrou no box em um momento que a McLaren não estava pronta. Todos imaginaram alguma falha na comunicação via rádio, mas a verdade era outra. No circuito de Donington, a curva de entrada dos boxes é menor do que a curva que leva à reta principal. Como naquela época não havia limite de velocidade no pit lane, ao contrário de hoje em dia, o brasileiro usou este artifício para ganhar tempo na pista. Galvão reproduz as palavras que ouviu de Senna após a prova.
Ayrton Senna, sobre o 'atalho' em Donington Park
- Eu me lembro de ter dito na transmissão: “alguém errou”. E no fim da corrida aparece como a volta mais rápida a que ele deu dentro do box. Eu perguntei: “você ficou louco?”. E ele: “Eu sabia que por ali era mais rápido, eu fiz para experimentar. Quando me informaram que era a melhor volta da corrida, eu falei ‘OK, se o Prost passar à minha frente, eu vou passar ele por dentro do box’. Só isso”. Ele tinha essa genialidade de, no meio daquela água, naquela confusão, pensar nisso. Foi a primeira vez que um piloto pegou um atalho numa corrida – relata Galvão Bueno.
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