14 julho 2013

A EXECUTIVA BEM SUCEDIDA

"A executiva bem-sucedida sentiu uma pontada no peito, vacilou, cambaleou. Deu um gemido e apagou. Foi tudo muito rápido. Quando voltou a abrir os olhos, viu-se diante de um imenso Portal.

Ainda meio zonza, atravessou-o e viu uma miríade de pessoas. Todas vestindo cândidos camisolões e caminhando despreocupadas. Sem entender bem o que estava acontecendo, a executiva bem-sucedida abordou um dos passantes:

- Enfermeiro, eu preciso voltar urgente para o meu escritório, porque tenho um 'meeting' importantíssimo. Aliás, acho que fui trazida para cá por engano, porque meu convênio médico é classe A e isto aqui está me parecendo mais um pronto-socorro. Onde é que nós estamos?

- No céu.

- No céu?...

- É.

- Tipo assim... o céu, CÉU...! Aquele com querubins voando e coisas do gênero?

- Certamente. Aqui todos vivemos em estado de gozo permanente.

Apesar das óbvias evidências: nenhuma poluição, todo mundo sorrindo, ninguém usando telefone celular, a executiva bem-sucedida custou a admitir que havia mesmo apitado na curva.

Tentou então o plano B: convencer o interlocutor, por meio das infalíveis técnicas avançadas de negociação, de que aquela situação era inaceitável. Porque, ponderou, dali a uma semana iria receber o 'bônus anual', além de estar fortemente cotada para assumir a posição de presidente do conselho de administração da empresa.

E foi aí que o interlocutor sugeriu:

- Talvez seja melhor você conversar com Pedro, o síndico.

- É? E como é que eu marco uma audiência? Ele tem secretária?

- Não, não. Basta estalar os dedos e ele aparece.

- Assim? (...)

- Pois não?

A executiva bem-sucedida quase desaba da nuvem. À sua frente, imponente, segurando uma chave que mais parecia um martelo, estava o próprio Pedro.

Mas a executiva havia feito um curso intensivo de 'approach' para situações inesperadas e reagiu rapidinho:

- Bom dia. Muito prazer. Belas sandálias. Eu sou uma executiva bem-sucedida e...

- Executiva... Que palavra estranha. De que século você veio?

- Do século 21. O distinto vai me dizer que não conhece o termo 'executiva'?

- Já ouvi falar. Mas não é do meu tempo.

Foi então que a executiva bem-sucedida teve um 'insight'. A máxima autoridade ali no paraíso aparentava ser um zero à esquerda em modernas técnicas de gestão empresarial. Logo, com seu brilhante currículo tecnocrático, a executiva poderia rapidamente assumir uma posição hierárquica, por assim dizer, celestial, ali na nova 'corporation'.

- Sabe, meu caro Pedro. Se você me permite, eu gostaria de lhe fazer uma proposta. Basta olhar para esse povo todo aí, só batendo papo e andando à toa, para perceber que aqui no Paraíso há enormes oportunidades para dar um 'upgrade' na produtividade sistêmica.

- É mesmo?

- Pode acreditar, porque tenho PhD em 'reengeneering'. Por exemplo, não vejo ninguém usando crachá. Como é que a gente sabe quem é quem aqui, e quem faz o quê?

- Ah, não sabemos.

- Entendeu o meu ponto? Sem controle, há dispersão. E dispersão gera desmotivação. Com o tempo isto aqui vai acabar virando uma anarquia. Mas nós dois podemos consertar tudo isso rapidinho, implementando um simples programa de 'targets' individuais e avaliação de performance.

- Que interessante...

- É claro que, antes de tudo, precisaríamos de uma hierarquização e um organograma funcional, nada que dinâmicas de grupo e avaliações de perfis psicológicos não consigam resolver.

- !!!...???...!!!...???...!!!

- Aí, contrataríamos uma consultoria especializada para nos ajudar a definir as estratégias operacionais e estabeleceríamos algumas metas factíveis de 'leverage', maximizando, dessa forma, o retorno do investimento do Grande Acionista... Ele existe, certo?

- Sobre todas as coisas.

- Ótimo. O passo seguinte seria partir para um 'downsizing' progressivo, encontrar sinergias 'high-tech', redigir manuais de procedimento, definir o 'marketing mix' e investir no desenvolvimento de produtos alternativos de alto valor agregado. O mercado telestérico, por exemplo, me parece extremamente atrativo.

- Incrível!

- É óbvio que, para conseguir tudo isso, nós dois teremos que nomear um 'board' de altíssimo nível. Com um pacote de remuneração atraente, é claro. Coisa assim de salário de seis dígitos e todos os 'fringe benefits' e mordomias de praxe. Porque, agora falando de colega para colega, tenho certeza de que você vai concordar comigo, Pedro. O desafio que temos pela frente vai resultar em um 'Turnaround' radical.

- Impressionante!

- Isso significa que podemos partir para a implementação?

- Não, minha cara executiva. Significa que você terá um futuro brilhante... se for trabalhar com o nosso concorrente. Porque você acaba de descrever, exatamente, como funciona o Inferno..."

Sem comentários.

Qualquer semelhança com a vida real, é mera coincidência.

Nenhum comentário:

Postar um comentário